3 Mitos sobre agachamento que não querem morrer
O agachamento é o exercício com a maior má fama no mundo da musculação. Várias pessoas evitam ou diminuem a amplitude deste exercício temendo problemas. Evitar lesões é sempre uma boa ideia, mas fazer isto excluindo ou limitando o agachamento é como deixar de caminhar porque você já viu gente tropeçando ou caindo. Milhares de atletas ao redor do mundo fazem agachamento com cargas que meros mortais jamais usarão na vida, e mesmo assim não se machucam.
A verdade é que o agachamento livre, quando executado corretamente, é seguro e isto já foi provado várias vezes por diversos profissionais qualificados (mais qualificados do que eu). Mesmo assim, os mitos continuam, então eu acredito que vale a pena repetir estas informações com a esperança que algumas crenças sejam deixadas de lado.
Neste artigo, você verá os três mitos mais comuns sobre o agachamento: “agachar mais do que 90 graus faz mal aos joelhos”,”os joelhos nunca devem passar das pontas do pés” e “agachamento destrói a coluna”.
Mito 1: Agachar além de 90 graus faz mal aos joelhos
Independente da articulação do joelho gerar uma flexão com cerca de 140 graus, existe a crença que esta flexão nunca deve ultrapassar o ângulo de 90 graus no agachamento livre. Este mito surgiu a partir de um estudo publicado em 1961 que determinou que atletas de força que faziam agachamento completo tinham mais problemas articulares nos joelhos que o grupo que não fazia exercícios. Por conta deste único estudo, agachar mais de 90 graus ganhou a reputação de maléfico para os joelhos.
O problema é que o estudo foi mal planejado e o responsável por ele (Dr. Karl Klein), tinha uma rixa pré-existente contra o agachamento completo, o que indica fortes tendências de que o estudo foi feito somente para corroborar a opinião do doutor. A partir dai, a crença se tornou um dogma que sobrevive até hoje, mesmo sendo contrariada várias e várias vezes por outros estudos.
Atletas profissionais de força levantam mais que o dobro do peso do corpo no agachamento usando até 130 graus de flexão de joelho e estudos mostram que suas articulações são ironicamente mais estáveis do que a de indivíduos que não agacham. Outros estudos revelam que os joelhos de quem agacha profundo são mais estáveis comparados com corredores de longa distância e jogadores de basquete.
Em um estudo envolvendo jogadoros de vôlei, os pesquisadores concluíram que não houve aumento significativo no estresse imposto às articulações do joelho quando os envolvidos agacharam descendo 70, 90 ou 110 graus. Outro estudo mostrou que o estresse nas articulações são reduzidos quando o ângulo da descida ultrapassa 60 graus. Em um terceiro estudo, os pesquisadores mostraram que powerlifters que agachavam com mais que o dobro do seu peso corporal forçavam os principais do ligamentos do joelho em 25 a 50% da sua capacidade máxima de força.
Obviamente, isto não quer dizer que todos devem usar o dobro do seu peso no agachamento e descer até a bunda bater no calcanhar. Porém, estes estudos mostram claramente que o joelho humano é muito poderoso e não vai quebrar como vidro ao fazer agachamento profundo. Outra conclusão importante que podemos tirar é que as tensões nos joelhos diminuem conforme vamos agachando mais profundamente, indo totalmente contra a crença de que quanto mais descermos, maior será a “destruição” articular.
Mas então até onde devemos descer no agachamento ? De forma simples e direta, considerando que você sabe fazer agachamento corretamente, você pode descer até o ponto que a boa forma não é prejudicada. Quando a lombar arrondondar, este é o seu limite.
Mito 2: Os joelhos nunca devem ultrapassar a ponta dos pés
Este mito é mais fantasioso, pois não é possível nem descobrir de onde ele surgiu. Buscando sobre o assunto na internet você vai encontrar vários “experts” repetindo igual papagaios que “não é indicado deixar o joelho passar dos pés no agachamento” e citando um estudo de 1978 que descobriu que quanto mais mantermos a parte inferior das pernas (canelas) na vertical durante o exercício, menos estresse é gerado. Não é possível encontrar o estudo completo e nem informações que suportam a sua validade.
Em um estudo de 2003 os pesquisadores tentaram recriar o cenário usando atletas de força experientes que fizeram agachamento profundo sob duas condições: primeiro com os joelhos ultrapassando a ponta dos pés e então evitando que isto acontecesse. Enquanto evitar que o joelho ultrapassasse a ponta dos pés diminui 22% o torque nos joelhos, ele aumentou o torque em mais de 10 vezes no quadril. Isto mostra que você pode diminuir a tensão nos joelhos, mas não não é tão crítico ao ponto de ser necessário.
O interessante da história é que agachar com os joelhos indo além da ponta dos pés era “normal” para todos os atletas envolvidos. E todos se mostraram capazes de agachar assim sem maiores problemas. Isto não deveria ser uma surpresa, porque o joelho vive passando deste “limite” quando corremos, pulamos, caminhamos, sentamos e nos levantamos.
Mito 3: Agachar machuca a coluna
Falar que agachamento prejudica a coluna é o mesmo que falar que comida engorda. Este mito geralmente é perpetuado por pessoas que não sabem agachar direito ou por profissionais mal informados que querem mostrar que “sabem” do que estão falando.
A maioria dos estudos que tentam provar que o agachamento faz mal à coluna usam o argumento que colocar uma barra cheia de pesos nas costas comprime a espinha e então mostram lesões em pessoas que fazem o exercício com a coluna em hiperextensão.
Agachamento correto mantém a coluna em uma posição neutra durante todo o movimento (e não em hiperextensão). Isto é o equivalente a falar que dirigir carros é perigoso, mas usar como exemplos pessoas que dirigem embriagadas. Outro detalhe é que a coluna não é feita de vidro, e suporta uma compressão significativa. O truque, novamente, é fazer o movimento com a coluna neutra para que a espinha seja comprimida de maneira uniforme.
Se você tem sentido dores nas costas durante o agachamento, a primeira coisa a ser considerada é que o exercício está sendo feito incorretamente (em quase todos os casos as pessoas não sabem agachar). Segundo, descubra se você tem problemas pré-existentes na coluna que podem estar sendo piorados, não só pelo agachamento, mas por qualquer sobrecarga gerada na academia. Em ambos os casos, é melhor procurar ajuda de alguém mais experiente que você.
Aqui vai um ótimo vídeo instrutivo de como agachar profundo sem afetar a postura:
Aqui vai um ótimo vídeo instrutivo de como agachar profundo sem afetar a postura:
Palavras finais
Considerando que estes mitos estão mortos e enterrados, é garantido que você nunca vai se machucar fazendo agachamento completo ? Não. Não existe garantias absolutas, e acidentes acontecem (como em qualquer esporte). O que você pode ter certeza é que se você estiver executando o agachamento da maneira correta, as chances de lesões são muito, mas muito pequenas.
Treinar com pesos é uma atividade infinitamente mais segura que outras feitas em ambientes menos controlados, como rugby, futebol, basquete e etc.. . Lesões na musculação podem ser evitadas em 99% dos casos.
Referências
- Schoenfeld, BJ. Squatting kinematics and kinetics and their application to exercise performance. J. Strength Cond. Res. 24(12): 3497-3506. 2010.
2. Fry, A.C., J.C. Smith, and B.K. Schilling. Effect of hip position on hip and knee torques during the barbell squat. J. Strength Cond. Res. 17(4): 629-633. 2003.
3. Caterisano, A., Moss, R.F., Pellinger, T.K., Woodruff, K., Lewis, V.C., Booth, W., and Khadra, T. The Effect of Back Squat Depth on the EMG Activity of 4 Superficial Hip and Thigh Muscles. J. Strength Cond. Res. 16(3): 428–432. 2002.
4. H. Orloff, G. Veil, R. Askins. (1997). Forces on the lumbar spine during the parallel squat. Conference Proceedings Archive, 15 International Symposium on Biomechanics in Sports. http://w4.ub.uni-konstanz.de/cpa/article/view/3648.
5. Shea, J. Deep Squats. http://www.apec-s.com/wp-content/uploads/2011/12/Deep-Squats.pdf
6. Fauber, J. (Nov. 2, 2011). Squat lifts likely cause of stress fractures in young athletes, study finds.http://www.jsonline.com/blogs/news/133028228.html
7. Rippetoe, M. & Kilgore, L. (2007). Starting Strength Basic Barbell Training 2nd Edition. The Aasgaard Company.
8. Calais-Germain, B. (1993). Anatomy of Movement. Eastland Press.
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